Adriano de Paula Rabelo
Aí está mais um Natal, esta epifania dos vendedores. Todo ano é a mesma coisa: tudo se mede pelo metro do aumento de produção, do volume de vendas, do percentual de superação das marcas do ano anterior, das multidões que abarrotam a rua 25 de Março, no centro de São Paulo, em busca de quinquilharias. É tempo de promoções, crédito, descontos, prêmios, uso do décimo terceiro salário, facilidades de pagamento – essas musas do chamado marketing “agressivo”. Os shopping centers, essas catedrais da classe mediana, fervem.
Por todo lado, no verão tropical, a estapafúrdia figura de um velho finlandês em trajes de inverno anacrônicos inclusive em seu próprio país, transportado por trenó e renas, expectorando uma risada bobalhona. E como complemento a decoração de um kitsch miserável, agora toda fabricada por semi-escravos nos cafundós da China: cordas de luzinhas coloridas, imitações de árvores aparentemente originárias da Floresta Negra, dos Alpes ou talvez da Taiga Siberiana onde se penduram bolas coloridas e uma estrela aberrante, guirlandas de galhos ressecados ou flores igualmente fakes pelas portas, sininhos de plástico ou delineados pelas ruas em gás néon. E para arrematar, as musiquinhas irrespiráveis, os cartões horrorosos, as mensagens-clichês.

Uma história distante
Na noite de Natal propriamente, os perus e os leitões assados, a glutonaria e a bebedeira, o amigo oculto simulando harmonia e união entre parentes que se detestam. E as crianças, aprendizes precoces do credo consumista, ávidas por receberem sua presentalhada desvinculada de qualquer atitude criativa, de qualquer valoração afetiva. No fim dessa noite infeliz, quando ela é atravessada sem bate-bocas, choro, ameaças, sentimentalismos constrangedores e outras inconveniências, advém o vazio existencial daquilo que as mercadorias e a pose pseudofeliz jamais poderão preencher: o verdadeiro encontro entre as pessoas, que não tem data marcada no calendário. E no dia seguinte todos retomam seus azedumes e violências, cultivam sua santa reclamação da insegurança e da desagregação social, rugem contra seu trabalho e exalam sua insatisfação com o país, com a vida.
Que relação haverá entre essa baboseira toda e a história de um longínquo menino pobre, filho de pais marginalizados que há vinte séculos fugiram do Egito, a fim de ele não fosse degolado? Um menino que acabou nascendo pelo caminho, num estábulo qualquer, tendo por berço a manjedoura onde comiam vacas e cavalos! Um menino saudado logo depois por três Reis Magos que lhe trouxeram presentes muito especiais, tal como convém a um Deus!
O frenesi consumista, o convencionalismo sazonal, o cenário norte-europeu de mau teatro amador, o esvaziamento da lenda de São Nicolau, a desova da indústria de brinquedos e os transbordamentos de fim de ano em meio à contida segurança pequeno-burguesa reatualizam em tudo, a cada ano, a anti-história do menino-deus. Onde se encontram – nessa agitada pasmaceira, nesse alegre desespero – qualquer esboço de redenção e salvação? Que sentido terá esse recomeço do mesmo?
12 comentários:
Nem o Natal escapa de seus ataques. Mas Jesus um dia entrará em sua vida... Saiba disso.
O que é que vc sugere, que a gente coloque o Saci para dar presentes às criancinhas? Quer matar os meninos de medo? Ou nem sequer comemorar o Natal? Seu anarquista.
Muito bem Adriano! Nesta época de tanto consumismo e mediocridade, vc é uma das poucas vozes a criticar essa geléia geral.
Que falta de espírito natalino! Seja feliz e que o papai Noel te traga muitos presentes (e fale Ho-ho-ho! no seu ouvido).
Adorei. Esse natal do consumidor nada tem a ver realmetne com a história do nascimento de Cristo. Raramente se vê alguém analisar isso com a sua lucidez e coragem.
O que você escreve é a mais pura realidade. Essa forma de vivenciar o Natal não tem nada a ver com o sentimento e a religiosidade cristã. Isso é uma comemoração do comércio e dos egoísmos individuais.
Ao menos no natal vc deveria ser menos crítico e mais confraternizante.
Bravo. O brasileiro valoriza e assimila demais essas baboseiras comerciais estrangeiras. Esse Papai Noel não tem nada a ver conosco. Tenho uma imensa antipatia desse velhote sem vergonha.
Cara, vc arrasou.
Estou de acordo com o que você diz, mas acho que não é hora de dizer essas coisas assim tão perto do natal.
Ler essas coisas na véspera do Natal quebra o encanto da gente. Seu chato de galochas!
Tem cada maluco que deixa comentário sobre seus textos, Adriano! Sua crítica é precisa e necessária. É preciso repensar tudo nessa vida plena de convenções e de fazer o que a televisão e o comércio mandam. Tenho um feliz natal e ótimo 2008. Vida longa ao seu blog.
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