sexta-feira, 4 de maio de 2007

Amor X casamento

Adriano de Paula Rabelo

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Não sei se foi Oscar Wilde quem disse que qualquer homem pode ser feliz com qualquer mulher desde que não a ame. Sábia filosofia. Amar é uma coisa; partilhar a burocracia da vida com alguém, outra.

O amor com o tempo se torna exigente, possessivo, neurótico, sufocante e estúpido quando romanticamente se pretende transformá-lo em sustentáculo de uniões conjugais eternas e domá-lo no âmbito de um lar com toda a avalanche cotidiana de egoísmos, tédio e achaques de toda sorte. Por fim, o casamento por amor se transforma simplesmente nisto: uma comunhão de maus humores de dia e de maus odores de noite.

Sem dúvida o amor – essa invenção da antiguidade ocidental moldada, na sua forma atual, pelo pensamento burguês – nada tem a ver com o casamento e a estabilidade. O amor é instável, mutante, variando de intensidade e sendo sentido de formas distintas pelas duas partes. Está sempre a um passo de seu clássico oposto: o ódio.

Se tivessem chegado a se casar, Beatriz teria mandado o seu Dante para o Inferno, Heloísa teria castrado o seu Abelardo, Julieta teria envenenado o seu Romeu. Quase todo mundo hoje em dia se casa por amor. Em pouco tempo, no entanto, ou se separa ruidosamente ou, os mais pacientes, suportam com galhardia e nervos de aço os azedumes conjugais.

O amor é acidente existencial, é coisa que se vive e se frustra seja pela separação precoce dos amantes, que acalentarão pela existência afora a cristalização da vida de maravilhas que podia ter sido e que não foi, seja pela sua consecução num casamento fadado a se realizar como uma cotidiana prova de fogo para o equilíbrio emocional mesmo dos mais sensatos. A propósito, o romancista português Miguel Esteves Cardoso, autor de um livro com o título provocador de O amor é fodido, escreve:

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Um amor não pode pertencer a duas pessoas, por muito que o queiramos. Cada um tem o amor que tem, fora dele. É esse afastamento que nos magoa, que nos põe doidos, sempre à procura do eco que não vem. Os que vêm são bem-vindos, às vezes, mas não são os que queremos. Quando somos honestos, ou estamos apaixonados, é apenas um que se pretende. Tenho a certeza que não se pode ter o que se ama. Ser amado não corresponde jamais ao amor que temos, porque não nos pertence. (...) O amor é fodido. Hei-de acreditar sempre nisto. Onde quer que haja amor, ele acabará, mais tarde ou mais cedo, por ser fodido.

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Aí está: sendo “fodido”, o amor é essa permanente fonte de tormentos. Não me venham dizer que estou confundindo amor com paixão nem me falem na platitude de que a paixão passa e o amor fica, que o casamento se sustenta por um amor maduro e pacífico, etc., etc. Isso é conversa para burguesinho dormir. E o burguês, como se sabe, deve ser sempre açoitado.


Oráculos de bolo

A receita da infelicidade é, sem dúvida, casar-se com quem se ama. Nosso tempo, que tanto tagarela sobre o amor e tanto o glorifica como panacéia, parece ter se esquecido da amizade. Que tal pensarmos em algo mais brando, regado a compreensão e bom humor quanto se trata de estabelecer a sociedade que é ponto de partida para a composição da família, esta instituição que, na sua forma atual, é um covil de chatos? Que tal ampliar-se o conceito de família? Que tal algo isento do espetáculo da pieguice aparelhada em véu e grinalda, em terninhos e casacas; isento também da lenga-lenga dos padrecos ou dos seus congêneres? Que tal viajarmos pela maturidade e a velhice sem o fardo do amor corrompido?

Amor “é fogo que arde sem se ver”, é “infinito enquanto dura”. Tudo que arde é intenso mas fugaz, e todo infinito se consome num átimo. Sendo assim, amemo-nos intensamente com toda a alma, misturemos nossos corpos com loucura, urremos de gozo desenfreado. E continuemos a prometer sinceramente, dentro da nossa precariedade e finitude, que tudo será para sempre. Essas coisas são necessárias e fazem parte do jogo de nos iludirmos ante a perspectiva da morte, que tudo varre neste mundo. Mais cedo do imaginamos, a vida nos prega das suas peças, e o amor se vai, seja porque partimos, seja porque cometemos tolices, seja porque de fato jamais conseguiremos possuir o que amamos, seja porque simplesmente o amor cumpre o seu ciclo e acaba.

Portanto, que não se pense em amor quando se tratar de casamento. Basta que o outro seja alguém agradável ao diálogo e ao convívio (se possível aos olhos), de boa saúde e gênio não propenso aos chiliques. O casamento por amor seria uma instituição adequada a seres perfeitos e imperecíveis que se amassem da mesma forma e abarcassem o ser absoluto do outro. Nós, pobres símios, construiríamos uniões mais conformes à nossa natureza com as afinidades, a leveza e a solidariedade de uma relação de amizade.

13 comentários:

Anônimo disse...

Vc me deixou de queixo caído com esse artigo Adriano.Nunca tinha lido nada tão pessimista e ao mesmo tempo tão real sobre o sentimento do amor. Nao sei se te agradeço ou te xingo por isso.

Anônimo disse...

Suas ousadias nesse tipo de texto são realmente perturbadoras. Sua forma de encarar as coisas é original e coerente, apesar de sempre inesperada.

Anônimo disse...

Adorei a sua definição do casamento: maus humores de dia e maus odores de noite. Hilário.

Anônimo disse...

Um cara qe fala assim do amor nao sabe amar. Sou casada há seis anos por amor e assim ficarei até o último dia de minha vida e da do Marcelo. Um dia alguém há de te pegar de jeito e vc vai ver o que é amar alguém até a morte...

Anônimo disse...

Essas suas idéias são irritantes, mas coerentes.

Anônimo disse...

Como é que vc tem a coragem de dizer essas coisas absurdas sobre amor e casamento? EStou chocada com suas idéias. Isso é só provocação ou vc pensa isso mesmo? Como vc pode dizer que o amor é fodido? Que louco vc é.

Anônimo disse...

Você é um maluco!

Anônimo disse...

Total lucidez, Adriano. Depois desse texto, com que concordo totalmente, fiquei seu fã. O amor é algo sério e precioso demais para se misturar com o casamento. Gostei muito das lambadas que você recomenda sobre o burguês. Ele merece, e como!

Anônimo disse...

Vc é casado?

Anônimo disse...

Realmente precisamos pensar em novas formas de casamento. A cultura burguesa está esgotada e o matrimônio tem sido realmente uma frustração para muita gente. Talvez a sua idéia de desvinculá-lo do amor e associá-lo a amizade seja um caminho viável.

Anônimo disse...

Vc quer retirar a essência do casamento. Quem fala assim ou nunca foi casado ou se casou mal. Se acaso sua mulher é ruim, não meça o mundo por seu próprio metro.

Anônimo disse...

Ta explicito o quanto vc e infeliz por nao ter casado com quem um dia amou de verdade. Isso tudo e puro comodismo por ter casado, ou mantem relacao, com alguem apenas "legal". Pense transar, beijar, acariciar, abracar quem a gente nao ama. TERRIVEL!!!!

Anônimo disse...

Casamento é uma instituição criada por Deus e a base para isso é o AMOR! Você está banalizando o AMOR e o Casamento também. Para ter um casamento feliz, é preciso amar e também entregar TUDO a DEUS!!