sexta-feira, 15 de junho de 2007

Saudades de Montevidéu

Adriano de Paula Rabelo

Nos anos de 2005 e 2006, um tanto por acaso, fui trabalhar em Montevidéu, ensinando Português e Cultura Brasileira na Universidad de la República. Quando cheguei, conhecia muito pouco sobre o Uruguai e sua capital, onde vive a metade dos habitantes do país. As primeiras impressões foram boas, apesar de haver encontrado um país muito mais empobrecido do que eu imaginava.

Fui morar no bairro de Pocitos, a uma quadra das margens do Rio da Prata e da Rambla, a avenida que contorna a orla do colossal volume de água que separa o Uruguai da Argentina. Com o correr dos dias, fui me ambientando, fazendo longas caminhadas pelas ruas, visitando seus museus e parques, transitando por sua periferia, ouvindo sua música. E com o início de minhas atividades na universidade, fui conhecendo as pessoas.

Muitas coisas me marcaram na passagem por Montevidéu. Primeiramente a paisagem, tanto a urbana como a humana. A cidade se divide em duas, bem delimitadas geograficamente: a moderna e a “velha”. Esta, com suas construções de séculos passados, plena de história, concentra boa parte do roteiro turístico e noturno da capital uruguaia; aquela, a despeito de ainda incluir em diversos pontos construções antigas, possui todas as características das metrópoles contemporâneas, com seus arranha-céus e sua agitação nas vias mais movimentadas. Quase que uma mesma árvore – alta, imponente, que solta umas pluminhas no verão – decora todas as ruas da parte moderna. Contornando a Cidade Velha, o centro e alguns dos bairros de classe média e alta, está a Rambla, ao longo da qual há sempre grande concentração de pessoas se encontrando, praticando esportes e se divertindo diante do majestoso rio-mar.


Uma região antiga na área central de Montevidéu

Na região onde morei, marcaram-me as corridas de fim de tarde na Rambla, quase sempre muito agasalhado para enfrentar o vento gelado que vem do rio; o belo busto de Tolstoi próximo à embaixada da Rússia, onde eu sempre passava para reverenciar o grande escritor; e um amplo gramado junto à baía de Pocitos, onde eu sempre ia jogar futebol.

Quanto às pessoas, considero que elas são sem dúvida a grande riqueza do país. Os uruguaios são, em geral, bem diferentes do estereótipo que se consagrou do brasileiro. Mais silenciosos, o cenho mais fechado, extremamente orgulhosos, cordiais, firmes e gentis. Sua forma de falar a língua espanhola é muito peculiar à região platina, com uma musicalidade própria, mas macia e harmônica que a fala dos espanhóis, por exemplo. Claro que estou sendo um tanto superficial e impressionista nestas generalizações, mas aqui estou apenas esboçando os traços mais fortes que me ficaram da convivência com eles.

Em boa parte do ano, o tempo em Montevidéu anda meio cinzento, sopra um vento cortante e chegam frentes frias muito mais intensas que as enfrentadas no sudeste brasileiro de maio a agosto. Por isso, a longa seqüência de dias muito frios foi sofrida para alguém como eu. Mas essas condições climáticas me parecem combinar perfeitamente com o aspecto e o espírito da cidade. O correr dos meses teve o efeito de ir me adaptando e, por fim, não me incomodando com as baixas temperaturas e as especificidades climáticas de lá. Mas, em agosto de 2005, a entrada de um ciclone na cidade foi assustadora. A tormenta quase me apanhou na rua, num fim de tarde. Uma ventania de quase duzentos quilômetros por hora causou mortes e muita destruição. Em casa, fiquei ouvindo o assobio dos ventos, o estrondo das águas do Rio da Prata contra os paredões, os grandes pingos da chuva, a eletricidade que fugia...

A comida uruguaia é sempre uma orgia de carnes de todo tipo com alguns acompanhamentos mais leves. Apesar de em geral não muito saudável, é muito saborosa, fazendo parte da tradição gauchesca, que é vigorosa inclusive em seus sabores.

A qualidade de vida na capital me pareceu excepcional para os padrões de uma metrópole latino-americana. Os níveis de violência são baixos, o acesso das pessoas à educação e à saúde é bastante amplo. Porém o desemprego entre os jovens é enorme, muita gente emigrou ou pretende emigrar, o setor industrial do país não vai bem. Os mais velhos sempre mencionam um tempo de vacas gordas – nos anos 50 e 60 especialmente – em que o Uruguai foi uma espécie de paraíso fiscal. Muito dinheiro circulava pelo país e havia abundância. Entretanto, o capital especulativo acabou indo embora e, como sempre acontece, deixou alguns ricos e muitos deserdados.


A baía de Pocitos

Foi nesses tempos de bonança que o Uruguai venceu o Brasil na final da Copa do Mundo de 1950, fato que ainda hoje marca profundamente o caráter nacional uruguaio. Como ficou comprovado pelos ajustes de contas feitos após a partida, naquele dia 16 de julho o Brasil entrou em campo como apenas um time; já o Uruguai entrou como uma nação. Sob a liderança do gran capitán Obdulio Varela, com os brios eriçados pelo desrespeito com que foram tratados pela imprensa brasileira, os uruguaios nos venceram numa reatualização do mito de Davi e Golias. Em sua mitologia, a épica atuação de seus jogadores naquele dia lhes deu uma promissora perspectiva: se puderam derrotar um gigante favoritíssimo, do que mais não seriam capazes?

A vida noturna em Montevidéu me impressionou vivamente. Todos os programas noturnos começam muito tarde. Alta madrugada ainda há sempre grande movimento nas ruas centrais e nos bairros onde se concentram restaurantes, cinemas e casas noturnas. Uma vez cheguei de viagem às três da manhã. Muitos estabelecimentos estavam abertos, igrejas regurgitavam em plena missa e até crianças brincavam, ainda acordadas. Eu, que não sou de varar noites, não aproveitei muito dessa euforia noturna.

Lembro-me de que, quando deixei o Uruguai, muitos ex-alunos e amigos foram se despedir de mim. Foi um momento de emoção. Senti-me valorizado e recompensado. Depois disso, retornei várias vezes para cursos intensivos. Os amigos sempre se reuniam e conversávamos sobre nossos projetos, sobre tudo e sobre nada. Era o prazer do reencontro.

Senti hoje saudades de Montevidéu ao folhear um álbum de fotografias.

11 comentários:

Anônimo disse...

muy lindo, adriano. también te extrañamos mucho. ¿cuando venís a Montevideo?

Anônimo disse...

PROFE!!!

EU VOU FALAR ESPANHOL JA QUE ME È MAIS FACIL

La verdad que lo quiero felicitar, acabo de leer la descripción que hizo de mi ciudad y me emocione mucho realmente me hizo lagrimear,
es muy bonito saber que una persona extranjera hable tan lindo de nuestro país el cual es chiquito pero no lo cambiamos por nada !

yo tube la suerte de conocerte y apesar de que solo tubimos la relación alumno profesor me alcanzó para darme cuenta la buena persona que era la verdad que me alegra mucho que se haya llebado un buen recuerdo del país y espero tenga la posibilidad de volver (y así se saca las ganas de trasnochar e ir a los bailes de Montevideo! ja ja )

te mando un gran saludo !!!

P.D ME RECIBI DE LICENCIADA EN RELACIONES INTERNACIONALES, ASI QUE CUANDO VUELVA YA HAY UNA ESCUSA PARA SALIR A FESTEJAR CON TODOS JA JA !!!!

Anônimo disse...

Conheço Montevidéu, para onde já viajei três vezes passando alguns dias. Gosto da cidade e me identifico com os comentários que vc faz. A Rambla me lembra a Av. Goethe em Porto Alegre. Vc conhece?

Anônimo disse...

Gracias, Adriano. Saludos.

Anônimo disse...

Sentimos tua falta aquí. Voce foi um excelente profesor e é uma excelente pessoa. Espero que esteja feliz no Brasil

Anônimo disse...

Meu caro amigo e querido professor,

Também nós temos muita saudade de você. Sei que ainda estou em dívida pela tradução, mas vai chegar, não sei quando, mas chegará.

Um abraço

Nirma

Anônimo disse...

Gracias, Adriano... Creo que te aproximaste bastante al "ser uruguayo" aunque en el reunirnos "para hablar de todo y de nada, te faltó nada menos que el mate, compañero total de horas de vigilia, de estudio, de charlas, de "estar" Un abrazo

Anônimo disse...

Olá, Adriano!

Estou pensando em fazer um intercâmbio no ano que vem. Como falta pouquinho para me formar no curso de Letras aproveitarei esse benefício como acadêmica.
A idéia é a de passar um ano em Montevideo, estudando na Universidad de la República.
Procurei por empregos na internet, mas não encontro nada sobre o ensino de língua portuguesa.
Sou professora de português e inglês na rede estadual do Rio Grande do Sul, já tenho experiência e me encantaria dar aulas de português para estrangeiros.
Você tem alguma dica sobre escolas de idiomas ou algum contato que poderia me ajudar a encontrar respostas acerca disso?

Muito legal este teu texto...
Me deixou com saudades também!
Adoro o Uruguai e o povo uruguaio.

Espero que possa me ajudar.
Agradeço antecipadamente.
Um abraço,
Carine

Anônimo disse...

Esqueci de deixar um contato...
Caso se disponha a me ajudar, meu e-mail é carinekehl@ibest.com.br

Unknown disse...

Ola,sou de Porto alegre e tenho interesse em estudar espanhol em Montevideo.preciso deinformação.obrigada.

Anônimo disse...

Estou indo por um passeio que percorrerá Montevideo e Colonia.
Será em 11-10-09, e usarei de motocicleta.
Estava lendo relatos na internet e topei com este elogio a um povo que muito me impressionou pelo respeito com o que não é nosso, com o saber observar o que existe e com o carinho que ainda podemos transmitir.
Parabéns, o assunto me motivou mais ainda a assistir o poente naquele rio-mar.
Ernani