sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Tempo evaporado

Adriano de Paula Rabelo


Em sua obra monumental, o escritor francês Marcel Proust mostra que o tempo, na medida em que avança, é “perdido”, pois o passado jamais poderá ser recuperado na sua completude. Na memória, os acontecimentos e os processos que fazem parte de uma existência individual ou coletiva são revisados sempre à luz das experiências posteriores do indivíduo ou da coletividade. A partir de determinadas referências, fazemos uma releitura que seleciona o que merece ser lembrado e construímos uma explicação que dê sentido ao nosso percurso. Portanto, em vez de proporcionar uma descrição objetiva do passado, a memória o reinventa com grande carga de subjetividade e afetividade. Desse modo, ao relembrar, por mais objetivos que tentemos ser, contamos não exatamente o que se passou, mas fornecemos uma interpretação do que se passou. Isso se dá tanto no âmbito dos relatos da experiência individual quanto coletiva. Por isso, assim como consideramos um fato marcante de nossa biografia de maneira diferente em diferentes momentos de nossa trajetória, a história coletiva será sempre relida pelas novas gerações, a fim de que se possa construir novos sentidos para as novas realidades do tempo presente. Tais são as possibilidades do tempo recuperado ou redescoberto.

Nesta época de esgotamento da moderna ideologia do progresso infinito e da espoliação da natureza – que conheceu seu auge no decurso do século XX –, mais que nunca as últimas gerações têm de se haver com o problema do tempo. Muitas paisagens têm sido substituídas, muitos acontecimentos têm se atropelado em barafunda, muita gente tem passado brevemente por nosso convívio... O corrido estilo de vida atual, em que a velocidade e as estatísticas tornaram-se um valor em si mesmas, faz com que o tempo esteja em constante evaporação. A fugacidade das experiências não permite que muita gente viva de modo mais denso e construa laços e valores duradouros. Com isso, muitos atravessam a vida sem saber bem o que querem, eternos indecisos e insatisfeitos, temerosos de suas escolhas, perdidos num limbo de inúmeras possibilidades.


A Via-Láctea


Que leitura fazer de um passado que se fundamenta no vazio do tempo evaporado? Claro que a brevidade também pode ser significativa. Aliás, os momentos perenes em geral são apenas isto: momentos. Neles, seja pela intensidade, seja pela conjunção de acontecimentos diversos ou a culminação de processos, seja pela repercussão de seus desdobramentos, a eternidade se pronuncia. O que faz do tempo evaporado algo debilitante são o temor da profundidade e do comprometimento, o barateamento e o constante prosaísmo da vida. Atualmente há uma espécie de difuso horror às grandes personalidades, aos projetos de uma vida inteira, às lentas conquistas do conhecimento. Poucas coisas são construídas para permanecer, e tudo vai sendo destruído e refeito de forma um tanto esquizofrênica. Assim, no avançar do tempo, que coisas recuperar, que perenidade redescobrir?

Somos, sim, finitos e de vida curta, mas trazemos na alma, como uma condenação, a ferida crônica e incurável da eternidade. Por isso criamos Deus e o amor, a arte e os mitos, os heróis e os santos, os monumentos e as glórias. Essa existência em dissipação hoje em voga – despida de utopias, avessa à grandeza e encharcada de mediania – é a própria desumanização. Sem densidade de vida não se faz um homem e sim um bicho, uma planta, um fenômeno natural qualquer. O tempo evaporado nada mais é que uma expressão da própria humanidade que se desvanece.

7 comentários:

Anônimo disse...

Muito interessante. Nessa sucessão desenfreada da vida, realmente perdemos a humanidade, ficamos sem história.

Anônimo disse...

Muito interessante. Nessa sucessão desenfreada da vida, realmente perdemos a humanidade, ficamos sem história.

Anônimo disse...

Muito boa reflexão para um fim de ano em que tudo foi atropelado neste país de malucos.

Anônimo disse...

Não entendi muito bem onde você quer chegar com esse tipo de texto.

Anônimo disse...

Mais que nunca precisamos repensar a forma como lidamos com o tempo. Estamos nos tornando uma civilizaçãoo sem passado ou que não respeita o passado.

Anônimo disse...

Não existe futuro para quem não tem passado. E, no presente, repetiremos os erros do passado, caso não o conheçamos e o valorizemos.

Anônimo disse...

Li o Em Busca do Tempo Perdido e achei o Proust um chato. Não aguentei ler nem umas 30 páginas! Como fazer para gostar dele?