sexta-feira, 27 de abril de 2007

Santo de mídia

Adriano de Paula Rabelo

Nestes dias que precedem a chegada do papa Bento XVI ao Brasil, noticia-se que corre, no Vaticano, um apressado processo de beatificação do papa anterior, João Paulo II, morto no ano passado. Sendo assim, os cardeais, com o aval do atual pontífice, andam saltando etapas para que seja outorgado o status de santo ao polonês Karol Vojtila o mais brevemente possível.

No noticiário internacional da mídia brasileira, macaqueado das grandes agências européias e norte-americanas, João Paulo II é incensado, referido invariavelmente como alguém que de fato tivesse vivido uma existência digna da santidade. Nada mais absurdo.

Durante os quase trinta anos do papado anterior, diversas seitas evangélicas, espíritas e afro-brasileiras aumentaram significativamente seus rebanhos às expensas da igreja católica. Ampliou-se enormemente o número de católicos que crêem e rezam, mas que não mais freqüentam igrejas nem dão ouvidos às arengas de padres e ministros da igreja. O Vaticano nunca esteve tão divorciado dos gravíssimos problemas que afetam o povo da América Latina, a região com maior contingente de católicos no mundo. Isso aconteceu em grande medida por causa da arrogância do papa Vojtila e dos seus posicionamentos anacrônicos em relação a temas como aborto, eutanásia, divórcio, pílulas anticoncepcionais e homossexualismo, além de sua perspectiva reacionária quanto às políticas sociais. Exibindo um pensamento e uma ação notoriamente retrógrados, o futuro santo só alargou o distanciamento entre as diretrizes do centro do catolicismo e a realidade contemporânea.

Politicamente, João Paulo II sempre foi conivente e omisso em relação às agressões dos Estados Unidos às nações mais fracas do ponto de vista militar, condenou as políticas antiimperialistas e os movimentos sociais na América Latina, perseguiu e puniu religiosos ligados à Teologia da Libertação, nada pronunciou sobre o escárnio com que os grandes órgãos da mídia internacional vêm tratando os muçulmanos nas últimas décadas.

Com essa vetusta linha de pensamento e ação, o papa Vojtila naturalmente caiu nas graças da poderosa indústria da notícia sediada nos Estados Unidos e na Europa. No noticiário de guardiães do imperialismo e arautos do etnocentrismo como CNN, New York Times, Time, BBC, Reuters, France Press, João Paulo II passou a ser incensado como “grande homem”, “mensageiro divino”, “viajante da fé”. Obviamente a imprensa colonizada da periferia do capitalismo só fez repetir o coro das agências americanas e européias. Afinal isso é o que consideram ser moderno e globalizado.



Um santo sem obra

Curioso como a autoridade máxima do catolicismo, no contexto da pasteurização da notícia, tornou-se uma figura acima de qualquer crítica inclusive para as agências de países predominantemente protestantes. Curioso como o noticiário gerado nas capitais mundiais da modernidade reverenciavam uma figura cujas concepções políticas e culturais situavam-se em épocas anteriores à emancipação da mulher, ao reconhecimento dos direitos dos trabalhadores e à Declaração Universal dos Direitos do Homem. Sendo João Paulo II uma autoridade de enorme influência no chamado Terceiro Mundo, alguém que sempre viu os países pobres como combustível da economia dos centros hegemônicos, alguém que tinha horror aos movimentos sociais e emancipatórios, realmente ele só poderia receber louvores por parte das visões de mundo imperialistas e etnocêntricas, no plano internacional, e dos legitimadores do status quo nas sociedades subdesenvolvidas, no plano nacional.

Onde foram parar as propostas de um João XXIII no concílio Vaticano II, que, através da encíclica Pacem in terris, de 1963, enfatizou o compromisso da igreja católica com os direitos humanos, assumindo sua missão social e modernizando a liturgia para poder sintonizar-se com o nosso tempo e com um mundo mais justo e seguro? Já na década seguinte, a ala medievalista e reacionária voltaria a tomar conta do poder para não mais deixá-lo. Não por acaso aí vem Bento XVI, o conservador que sucedeu João Paulo II, justamente num momento em que se discutem, no âmbito da alta política nacional, temas como pesquisa com células-tronco e aborto. O santo padre já falou inclusive no retorno das missas em latim.

Antigamente os santos se qualificavam para essa condição através de obras e condutas exemplares, seja pela imitação de Cristo, seja pelo combate às iniqüidades, seja pela criação intelectual influente. Eram militantes engajados como São Paulo, intelectuais ilustres como Santo Agostinho, teólogos eminentes como São Tomás de Aquino, rebeldes como São Sebastião, criadores de instituições influentes como São Bento ou Santo Inácio, grandes poetas místicos como Santa Teresa de Ávila ou São João da Cruz, heróis como São Jorge, alguém que se posicionava ao lado dos humilhados e ofendidos como São Francisco de Assis. Hoje, para se tornar santo, aboliu-se a obra, aboliram-se as virtudes verdadeiramente cristãs. Basta servir à superestrutura dominante e nadar de braçadas nas águas dessa mídia sórdida que vem emburrecendo o mundo.

Em breve João Paulo II será sagrado padroeiro da CNN ou protetor da BBC, receberá a mais fiel devoção da Reuters e do New York Times... O catolicismo levou quinhentos anos para ir de São Francisco a João Paulo II. Veja bem: de São Francisco a João Paulo II!

12 comentários:

Anônimo disse...

Dei uma corrida de olhos nos seus artiguos. Fiquei horrorizado com os horrores que você diz. Isso é o mal da democracia e do direito de livr3e expressão. Se fosse há uns trinta anos atrás,você seria arrancado de casa e iriam-lhe arrancar os dentes e acabar com esse seu riso large e cínico. Ai, que saudade do Médici!

Anônimo disse...

Esqueci de te dizer, seu mulato. Volte para a senzala!

Anônimo disse...

"Écrasez l'infame", como diria Voltaire. Seu texto é de uma brilhante lucidez. Esse reacionário nada teve de santo. Só se for mesmo um santo de mídia, como você diz.

Anônimo disse...

Você tem razão: canonizar João Paulo II é baratear demais a santidade.

Anônimo disse...

Você não deveria escrever assim de um homem que foi tão bom. Ele deixou acesa a chama viva da paz. Fui ver ele, quando ele veio ao Brasil e estarei lá em Aparecida para ver o Bento 16. Não sei se o senhor se lembra disso:

A benção, João de Deus
Nosso povo te abraça
Tu vens em missão de paz
Sê bem-vindo e abençoa
este povo que te ama!
A benção, João de Deus

Anônimo disse...

Estou com vc, a santidade merece muito mais virtudes que as atribuídas ao antigo papa pela imprensa.

Anônimo disse...

Muito bem, Adriano. A igreja de João Paulo II, bem como essa que está aí, continua muito distante de Cristo ao ignorar tanta miséria e violência, continuando a se colocar do lado dos poderosos.

Anônimo disse...

Se esse papa for canonizado ele será de fato um santo de mídia, como vc diz.

Anônimo disse...

Concordo que João Paulo II não possui qualificativos para a santidade, mas discordo de sua avaliação sobre o trabalho dele, que foi importante para a propagação da fé católica.

Anônimo disse...

Ele foi sim um homem santo. Por seu carisma, os grandes meios de comunicação o esaltaram. Você está errado ao dizer essas coisas sobre ele.

Anônimo disse...

Só me diz uma coisa. Vc é algum anarquista?

Anônimo disse...

Ora, Adriano, vá lamber sabão! Bote os seus joelhinhos no chão, reze um terço e peça perdão por esses absurdos que você diz sobre um verdadeiro santo.