sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Etimologia dos apelidos

Adriano de Paula Rabelo


Sérgio Buarque de Holanda interpretou o brasileiro como um “homem cordial”, aquele que age pelo coração, que se sente muito pouco à vontade em situações que exigem formalismo e distanciamento. Por isso teríamos enorme dificuldade em montar um Estado eficiente, realizando de modo mais aprimorado os valores da vida pública. Em contrapartida, distinguimo-nos pelo desenvolvimento dos valores da família e das relações interpessoais. Nesse contexto, uma das expressões mais características de nosso modo de ser é a tendência não somente à omissão do nome de família no tratamento social e mesmo na vida pública, mas muitas vezes o emprego desenfreado de apelidos. Estes são talvez a expressão mais profunda de nosso constante movimento para abolir distâncias e formalismos no trato social.

Numa Copa do Mundo, por exemplo, nossos jogadores são os únicos que exibem para o todo o planeta, inscritos em suas camisas, os nomes pelos quais são conhecidos, quase sempre apelidos ou o primeiro nome. Até mesmo Lula, o atual presidente da República, mesmo em determinados cerimoniais é chamado pelo apelido com o qual construiu sua carreira na política. O maior herói brasileiro, Tiradentes, celebrizou-se através do apelido. E mesmo os santos da tradição católica são tratados no diminutivo, como Santa Terezinha; ou aproximados no mínimo por meio de um possessivo, como “minha Nossa Senhora”. Quem nunca se deparou com o cúmulo de ouvir alguém fazer invocações a “meu Jesus Cristinho”?

Ainda está por ser feito todo um amplo estudo sociológico sobre o apelido na cultura brasileira. Nenhum de nós atravessou a vida familiar, a escolarização, os campos de futebol ou os salões de beleza sem um apelido. Pelo interior do país há até mesmo certas cidades que chegam ao fastígio de editar sua lista telefônica não com os nomes de cartório dos assinantes, mas com seus apelidos.

Em geral esses nomes que fundamentam a identidade social profunda das pessoas no Brasil vêm da infância, estão muito relacionados a aspectos culturais de cada região e podem mesmo variar de lugar para lugar e de tempos em tempos. Assim, um indivíduo poderá ter um apelido em família, outro entre seus amigos, outro no ambiente de trabalho e ainda outro no trato conjugal. Pode ter tido um apelido durante a infância ou a adolescência que foi se perdendo ou se modificando com o tempo, na medida em que suas relações sociais foram se alterando. Há quem se identifique de forma tão profunda com um apelido que praticamente desliga-se do nome verdadeiro, seja por não gostar deste, seja por uma natural sobreposição daquele pelo uso constante.


Amácio Mazzaroppi em As aventuras de Pedro Malasartes (1959)


O fenômeno é tão marcante no Brasil que muitas de nossas figuras lendárias e assombrações celebrizaram-se através de seus apelidos: Pedro Malasartes, João Grilo, Cuca, Papa-Figo, Barba Ruiva, Romãozinho, Cabeça-de-Cuia, Corpo Seco, Mão-de-Cabelo.

Já no âmbito de nossa construção social, um dos principais formadores de apelido é o diminutivo, que normalmente possui uma conotação carinhosa. Daí tantas Glorinhas, Vaninhas, Paulinhos, Marcinhos, Cicinhos. A redução de nomes próprios, quase sempre centrada na sílaba tônica, também é muito recorrente: Guga, Zeca, Tôim, Lu, Vi, Digo, Lena, Bia. E também a repetição de sílabas com veementes vogais tônicas: Lilico, Leleco, Cacá, Bibi, Lili, Dedé. Esses os apelidos derivados diretamente dos nomes próprios.

Já os apodos, num sentido mais estrito, estabelecem uma comparação espirituosa ou ultrajante em função de alguma característica física ou moral. São muito comuns em nossas ruas, botecos e praças, não possuindo uma clara regra de formação. Todavia, freqüentemente recorrem ao mundo natural, transferindo para as pessoas os nomes de animais, frutas, legumes e fenômenos. Daí os inúmeros Ratos, Jibóias, Bananas, Batatas, Cebolas e Trovões do mundo popular. Na adolescência, me lembro de haver jogado num time de futebol que tinha, ao mesmo tempo, no esquadrão titular, um Ratinho, um Jacaré, um Vaca e um Canário. Em outras ocasiões, cheguei a jogar com um Calango e um Barata!

Os defeitos ou ao menos os aspectos físicos mais destacados inevitavelmente fazem proliferar apelidos como Dentinho, Bola, Mancha, Tampinha, Bocão, Cabelo, Prancha, Ferrugem, Gamela, Fofão... Certa vez conheci um certo Umbigo, não me lembro por quê; e um certo Alfinete, alto e magrelão.

E aqueles que são parecidos com personalidades famosas não escaparão de que elas os persigam involuntariamente na ferina língua do povo. Houve um tempo em que todo negro era chamado de Pelé. Mais recentemente muitos barbudos passaram a ser Bin Laden. Me lembro de um colega de colégio que tinha o santo apelido de São Francisco, às vezes Carinha de São Francisco. Absolutamente perfeito, pois a semelhança era tamanha que, dizíamos, quando ele saía na rua os passarinhos lhe pousavam no ombro.

Por fim, apenas mais três processos de formação de apelido mais comuns no Brasil: o decorrente da profissão do sujeito (Mané Carreteiro, Maria Doceira, Juca Pintor); aquele de teor étnico, às vezes com uma pincelada de racismo (Azul ou Alemão, para negros; Leitinho ou novamente Alemão, para louros; Japonês, para qualquer um de olhos puxados; Judeu, para avarentos); e os de teor comportamental (Matraca, para pessoa muito falante; Bíblia, para protestantes).

O apelido é talvez a expressão maior de nossa tendência ao informalismo e à máxima aproximação com o outro, ainda que as barreiras sociais sejam quebradas através do singular costume brasileiro de rir dos defeitos físicos e morais próprios e alheios. Há quem veja com bons olhos essa nossa idiossincrasia, uma das marcas mais vigorosas de nossa singularidade, de nossa falta de sisudez; e há quem a deteste e a condene. De todo modo, o importante é ter sempre presente que o apelido tem seu lugar, sua hora e determinado grupo de pessoas autorizadas a utilizá-lo. Mesmo a entonação em que ele é pronunciado denuncia a intenção carinhosa, simplesmente jocosa ou ultrajante de quem o emite, provocando reações específicas por parte de quem o recebe. Quando se fizer um amplo estudo sociológico de seus usos, muito será revelado sobre quem são os brasileiros.

15 comentários:

Anônimo disse...

Essa é o brazilian way of life, só nos o temos. Por isso, como vc disse em outro artigo, aguentamos viver neste país onnde somos feitos de bobo todo dia.

Anônimo disse...

Vc esqueceu os apelidos regionais: Baiano, Gaúcho, Paraíba, Ceará que tem tanto por aí.

Anônimo disse...

Por causa de costumes como esse é que este é um país subdesenvolvido. Pior ainda é ter de suportar esses ignorantes que ainda defendem essa porcaria da América Latrina.

Anônimo disse...

Vc é um brasileiro profundo e verdadeiro. Gosto quando vc trata de nosso caráter. Se ser desenvolvido for ser burro como os americanos ou arrogantes como os europeus, que sejamos subdesenvolvidos para sempre e preservemos para sempre nossa humanidade e nossa delicadeza. Parabéns.

Anônimo disse...

Voce me fez lembrar de um colega de colégio que tinha o apelido de Garibaldo, por causa de um personagem da saudosa Vila Sésamo. Era alto, de perna fina e desengonçado, tipo o Garibaldo. Li o seu texto com um riso moleque nos lábios.

Anônimo disse...

O apelido é uma forma carinhosa de tratarmos as pessoas, apesarr de que há apelidos ofensivos. De todo modo, só nós no mundo quebramos as barreiras sociais dessa forma. Por isso não existe ódio de classe e segregação patrocinada pelo Estado em nosso país.

Anônimo disse...

Uma pessoa que reza para "meu Jesus Cristinho" e para Santa Terezinha, que chama o rio São Francisco de "Velho Chico", tendo essa intimidade com o sagrado, já está salvo.

Anônimo disse...

Seu texto é pitoresco e engraçado, tanto pelo tema, quanto pela maneira como vc o trata. Visito seu blog toda semana. Há sempre coisa interessante para ler. Vc escreve para algum jornal ou revista?

Betina Pipet disse...

Adorei o teu blog. Ele tem alma. A alma brasileira que eu tanto me orgulho. Já o adicionei aos meu favoritos. Pretendo lê-lo semanalmente. Outra coisa: comentário como o de Luís Carlos Lima, postado a 7 de outubro de 2007, me incomodam profundamente. Pessoas que não sabem valorizar o quão rico e iluminado é o nosso pais e o nosso povo, deveriam investir em uma passagem só de ida para Europa. Não deixariam saudades.

Betina Pipet disse...

Adorei o teu blog. Ele tem alma. A alma brasileira que eu tanto me orgulho. Já o adicionei aos meu favoritos. Pretendo lê-lo semanalmente. Outra coisa: comentário como o de Luís Carlos Lima, postado a 7 de outubro de 2007, me incomodam profundamente. Pessoas que não sabem valorizar o quão rico e iluminado é o nosso pais e o nosso povo, deveriam investir em uma passagem só de ida para Europa. Não deixariam saudades.

Betina Pipet disse...

Adorei o teu blog. Ele tem alma. A alma brasileira que eu tanto me orgulho. Já o adicionei aos meu favoritos. Pretendo lê-lo semanalmente. Outra coisa: comentário como o de Luís Carlos Lima, postado a 7 de outubro de 2007, me incomodam profundamente. Pessoas que não sabem valorizar o quão rico e iluminado é o nosso pais e o nosso povo, deveriam investir em uma passagem só de ida para Europa. Não deixariam saudades.

Betina Pipet disse...

Adorei o teu blog. Ele tem alma. A alma brasileira que eu tanto me orgulho. Já o adicionei aos meu favoritos. Pretendo lê-lo semanalmente. Outra coisa: comentário como o de Luís Carlos Lima, postado a 7 de outubro de 2007, me incomodam profundamente. Pessoas que não sabem valorizar o quão rico e iluminado é o nosso pais e o nosso povo, deveriam investir em uma passagem só de ida para Europa. Não deixariam saudades.

Betina Pipet disse...

Adorei o teu blog. Ele tem alma. A alma brasileira que eu tanto me orgulho. Já o adicionei aos meu favoritos. Pretendo lê-lo semanalmente. Outra coisa: comentário como o de Luís Carlos Lima, postado a 7 de outubro de 2007, me incomodam profundamente. Pessoas que não sabem valorizar o quão rico e iluminado é o nosso pais e o nosso povo, deveriam investir em uma passagem só de ida para Europa. Não deixariam saudades.

Betina Pipet disse...

Adorei o teu blog. Ele tem alma. A alma brasileira que eu tanto me orgulho. Já o adicionei aos meu favoritos. Pretendo lê-lo semanalmente. Outra coisa: comentário como o de Luís Carlos Lima, postado a 7 de outubro de 2007, me incomodam profundamente. Pessoas que não sabem valorizar o quão rico e iluminado é o nosso pais e o nosso povo, deveriam investir em uma passagem só de ida para Europa. Não deixariam saudades.

Betina Pipet disse...

Desculpe-me a quantidade de postagens.Foi a minha estréia em postagens. Às vezes essa máquina me enlouquece.