sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Qual democracia?

Adriano de Paula Rabelo


Winston Churchill dizia que “a democracia é a pior forma de governo, excetuando-se todas a demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. De fato, a despeito de todos os seus enormes defeitos, do rebaixamento geral que ela proporciona e de todas as possibilidades de ascensão que ela abre para os maiores energúmenos, ainda assim nada se criou como alternativa viável para o regime democrático.

Onde a democracia é suprimida, a história é sempre a mesma: o governo é tomado de assalto por uma oligarquia que tudo decide sem dar nenhuma satisfação aos desprivilegiados e sem admitir qualquer visão alternativa da administração do bem público e das pessoas que não seja a sua própria. Na democracia, as oligarquias continuam no poder, já que estabelecem as regras e a prática relacionadas a quem de fato pode assumir os cargos políticos – além de possuírem e controlarem os meios de persuasão –, mas têm de se haver constantemente com aqueles que legitimaram seu poder através do voto. Assim, elas se defrontarão o tempo todo com as mazelas da plebe e serão pressionadas a lhes dar uma resposta, o que quase sempre resultará em repressão ou paliativos.

Até aqui tratamos do aspecto meramente formal da democracia, que se expressa nas eleições, no voto e no governo representativo. No entanto, a experiência nos mostra de forma evidente que a simples salvaguarda dos processos democráticos formais não basta para garantir um mínimo de justiça social e um Estado minimamente eficaz como verdadeiro guardião dos direitos da cidadania. Portanto, já passa da hora de se estabelecer uma melhor definição para o termo.

Se o regime democrático, numa definição aperfeiçoada, é aquele em que os direitos humanos estão garantidos antes pela práxis da sociedade que pelas leis, em que todos os cidadãos possuem um mínimo de condições materiais, de educação e de saúde para poderem desenvolver suas potencialidades, em que os vampiros do Estado são punidos com rigor e inflexibilidade, pode-se concluir que uma sociedade como a brasileira jamais foi democrática em nenhum momento de sua história.

Como se poderá falar em democracia no Brasil após um simples passeio pela periferia de nossas grandes e médias cidades? E em face do distinto peso das leis conforme a condição econômico-social daqueles que as violam? E diante da manipulação da vontade das massas pelos grandes veículos de comunicação?


A Liberdade conduzindo o povo (1830) – Eugène Delacroix

Atualmente, discute-se muito o papel da educação como panacéia para a resolução de todas as iniqüidades nacionais. Em geral, quando se fala nisso, a idéia se reduz apenas à máxima inclusão da população, em especial crianças e adolescentes, no sistema escolar. Com todo mundo atravessando a escola ao menos do primário ao ensino médio, ampliando-se como for possível o acesso dos recém-adultos à universidade, acredita-se que o país caminhará a passos largos para o desenvolvimento e que os miseráveis serão redimidos pela inclusão social. Estatísticas e exemplos de países asiáticos – evadidos de suas circunstâncias históricas e das reformas sociais que promoveram – sempre vêm à tona em apoio dessa idéia.

Sem deixar de reconhecer o papel fundamental da educação como forma de se pavimentar o caminho para a democracia, acredito que o argumento da educação-panacéia é míope e desfocado. Em primeiro lugar porque só se fala na extensão das possibilidades de escolarização, pouco ou nada se discutindo a qualidade do ensino a ser oferecido e a relevância de seus conteúdos no mundo contemporâneo. Em segundo lugar – e este é o ponto crucial –, um sistema de educação extensivo e de boa qualidade não é a maior conquista a ser obtida pela sociedade brasileira para que ela comece enfim a se democratizar. Muito mais importante e urgente é se pensar em políticas que possibilitem uma radical melhora na distribuição de renda. Curiosamente este ponto é pouquíssimo citado e discutido como aspecto democratizador.

Onde estão as políticas de inclusão da juventude no mercado de trabalho? Ou de elevação do nosso vergonhoso salário mínimo? Ou os incentivos para que pequenas e médias empresas se instalem em localidades com altos índices de desemprego? E o aumento da carga tributária sobre os mais ricos, acompanhado de sua diminuição entre os mais pobres? Como a maioria da população brasileira poderá adquirir de fato a condição de cidadania sem um padrão econômico mínimo para a dignidade humana? Como o descalabro de violência, destruição ambiental e degradação do nível de vida a que chegamos poderá ser revertido se não se modificar nossa brutal concentração das riquezas? Por que não se tornar a corrupção um crime hediondo e inafiançável, com penas correspondentes àquelas prescritas para homicídio doloso, já que sem dúvida escroques da laia de um Paulo Maluf ou um Jader Barbalho são criminosos que causam muito mais danos à sociedade que um assaltante, traficante ou seqüestrador de periferia?

Claro que todos esses anseios situam-se no plano da utopia. O próprio James Madison, um dos mais reverenciados ideólogos da democracia americana, considerava que a principal responsabilidade do governo é “proteger a minoria opulenta da maioria”. E de fato até hoje esse tem sido o princípio que vem orientando o sistema democrático limitado às formalidades. Daí esse fosso gigantesco que se criou entre as preferências do público e as políticas públicas. Daí os governos completamente divorciados da vontade das maiorias, cujo papel se resume a simplesmente comparecer às urnas de tempos em tempos para legitimá-los.

As estruturas de dominação, porém, são criações humanas e podem ser desmontadas. Somente a organização e mobilização dos desprivilegiados, ou seja, o fortalecimento dos movimentos sociais e entidades da sociedade civil, será capaz de transformar esse quadro. O caos em que vivemos pode estar prestes a fazer com que a sociedade entre em colapso e explodam revoltas de gravíssimas conseqüências. Quem sabe inclusive – como no movimento de 1789, na França – algumas cabeças graúdas não venham a rolar?

7 comentários:

Anônimo disse...

Essa é a grande pergunta ainda não respondidda pela história brasileira: qual democracia? Tem razão ao dizer que no Brasil nunca foi democrático. Sendo otimista, talvez possam sentir-se em condições para a democracia apenas cerca de um terço da população. Além d a elite, nós que fazemos três refeições por dia, usamos papel higiênico, temos computador... E os outros dois terços. Este país estará sempre há beira de um colapso social, como vc diz, enquanto esses dois terços continuarem ignorados ou forem apenas objeto de programas de esmolas governamentais, como está ocorrendo hoje.

Anônimo disse...

Essa democracia que o Sr. almeja para todo mundo nunca vai se realizar. Sempre haverá diferença entre as pessoas devido ao esforço e ao talento de cada um. Está bem que no Brasil a desigualdade é grande demais. Mas democracia também tem limite. James Madison mesmo contata que os ricos dominam o Estado para protegê-los. Isso sempre ocorrerá.

Anônimo disse...

Concordo que a educação não é a principal frente a ser atacada para se mudar as estruturas injustas do Brasil. E concordo também que a distribuição de renda é a ação fundamental que a sociedade brasileira deve assumir. Se não se fizer isso um dia a casa cai. Aí vamos enforcar os FHC nas tripas dos Renan Calheiros da vida. Ou os Antônios Hermírios nas tripas dos Moreira Salles. Esses FDP ainda vao se dar mal.

Anônimo disse...

De que adianta a democracia formal sem a democracia de fato,em que todos possuem dignidade para viver? É verdade que no Brasil nunca houve democracia. Mesmo a formal é frequentemente sacaneada.

Anônimo disse...

Ninguém aguenta mais uma democracia em que um Renan Calheiros abusa da nossa inteligência e da nossa paciência. A verdade é que a política não tem mais nada a ver com a cidadania. Os políticos so' precisam dos eleitores para serem eleitos e governarem em causa própria. Não representam senão a si mesmos.

Anônimo disse...

Adorei a conclusão de seu texto, que é um hino à esperança. A aparelhagem física, ideológica e legal de dominação é uma criação humana. Como tal, pode sim ser desmontada. Em vez da despolitização e da alienação, o caminho é reforçar os movimentos sociais, horror da imprensa mercantil e monopolista.

Anônimo disse...

Deixa de ser ingênuo, Adriano, esse papo de democracia é conversa pra boi dormir Olha a palhaçada do Renã Calheiros em Brasília. Bote um nariz de palhaço e saia na rua. E isso o que todos nós somos.