sábado, 24 de março de 2007

Horrorosas bonitinhas

Adriano de Paula Rabelo

Um dos fenômenos mais bizarros do nosso tempo é isso que os estilistas, a indústria dos cosméticos e os meios de comunicação de massas entronizaram – a partir do final dos anos 1960 – como sendo a beleza feminina. Aqueles que foram definindo e estabelecendo que ser bonita é ser magérrima, com seios artificiais e um rosto de boneca realmente não entendem nada de mulher. Muito menos de beleza.

Não por acaso esse padrão iniciou sua voga logo após a chamada revolução sexual, fazendo com que a mulher até fisicamente passasse a se parecer mais com o homem, centro do poder na cultura de base patriarcal. As grandes vítimas dessa boniteza-para-o-mercado têm sido as últimas gerações de mulheres, que vêm tendo o corpo e a psique cada vez mais minguados pelo fascismo da moda, cujo lema é não se poder confiar em ninguém com mais de 50 kg.

'

Iguais, vazias, estereotipadas, pretensiosas, vulgares

E aí estão, em todas as classes sociais, as nossas patéticas bonitinhas flutuando num mundo cujos delgados prazeres se resumem a consumir variadas roupas, sapatos, jóias ou bijuterias, desperdiçar longas horas de vida em salões, transitar por shopping centers e exibir aparências na vitrine da sociedade. Naturalmente quase não comem – ou se o fazem são acometidas pelo terror de engordar –, já que pernas e braços finos, nariz pontudo e arrebitado, total ausência de barriga resumem os valores supremos dessas pretensas beldades atuais, que estão dispostas aos mais estapafúrdios sacrifícios alimentares para não saírem da linha.

O mais incrível é terem conseguido impingir essa fórmula de boniteza às mulheres de um país como o Brasil, terra de índias da largas ancas que fizeram as delícias dos portugueses que aqui chegavam, de negras atléticas trazidas da África e, principalmente, de mulatas exuberantes. É óbvio que tais figuras femininas povoam a libido do homem brasileiro. A publicidade jamais descobrirá uma forma de controlar o subconsciente e o desejo profundo.

A beleza da mulher vai muito além das fórmulas prontas. E vai mais além ainda desses corpos descarnados, desses cabelos esticados e desses rostos padronizados que caracterizam o produto final da linha de montagem da indústria da moda. A beleza é algo natural que se realiza numa forma de se portar diante da vida, num jeito pessoal e intransferível de sorrir, de pronunciar as palavras, num clima de graça, leveza ou força de personalidade instaurado pela simples presença da pessoa. Bela é a mulher antes de tudo humana. Por isso, chego mesmo a dizer que bela é a mulher que tem ao menos um pouquinho de celulite, ou um pouquinho de barriga, ou a boca grande, ou é baixinha, mas em quem isso não tem a menor importância diante de sua singularidade, de sua força vital, de sua delicadeza ou de sua assertividade.

Vejam só algumas mulheres que marcaram época e que se tornaram ícones culturais. Cleópatra, que foi rainha do Egito e esposou dois imperadores de Roma, tinha nariz adunco, cabelos grossos e ondulados, o rosto cheio. Theda Bara, mulher fatal dos primórdios do cinema que estraçalhou corações, tinha olhos enormes, grandes ventas e braços curtos. Mata Hari, dançarina e suposta espiã que fascinou e seduziu os homens mais poderosos da Europa na Belle Époque, tinha mãos enormes, largos quadris e uma evidente barriguinha. Marilyn Monroe, eterna diva dos americanos, era baixinha, de boca grande, cheia de corpo e muito branca. Leila Diniz, paixão de nossos pais e tios nos anos 1960, tinha lá suas estrias e uma barriga flácida.

Cleópatra, Theda Bara e Leila Diniz: beleza como potencialidade de vida

Stendhal, que em seu livro Do amor demonstra conhecer muito do assunto, escreve que a extensão da beleza é diretamente proporcional à densidade e ao volume de felicidade que ela pode nos proporcionar. Segundo o grande romancista francês, se após contemplar uma mulher de valorizados atributos físicos, alguém se deparar com outra de rosto desfigurado mas que lembra uma mulher amada que morreu de varíola, esta segunda proporcionará mais felicidade e será, portanto, mais bela.

Evidentemente não estou propondo o paradoxo de que a verdadeira bela é a feia. Apenas ressalto – e repito – que a beleza vai muito além do rostinho convencionalmente bonito e da fórmula pré-definida por quem quer que seja. Aliás, o convencional e o seriado não são belos, pois cada beleza é autêntica e única. Além disso, a beleza se realiza através de um conjunto coeso de atributos físicos, espirituais, intelectuais e morais. É uma potencialidade de vida, entusiasmo e amor.

O que essas mulheres saídas da linha de montagem dos salões, das lojas e das clínicas de estética têm dessa potencialidade? Em sua quase totalidade, nada.

13 comentários:

Anônimo disse...

Antes de tudo, vc merece todos os elogios. Li todos os textos que vc publicou aqui até agora e fiquei extasiado. Tanto as máximas quantos as crônicas são brilhantes. Vida longa ao seu blog.

Anônimo disse...

EXCEPCIONAL A REALIZAÇÃO DE SUAS IDÉIAS SOBRE ESSA FALSA BELEZA ATRAVÉS DESTE TEXTO. CONCORDO COM VC EM GÊNERO, NÚMERO E GRAU. ESSAS MOÇAS ESTÃO MAIS PARA DOENTES E FAMINTAS DO QUE PARA BONITAS. E REALMENTE SÃO BELAS AS MULHERES QUE VC ENUMERA. UM ABRAÇO.

Anônimo disse...

que lucidez e inteligencia adriano... essas moças nada tem realmente de bonitas... tem muito mais de doença, loucura e futilidade... seus artigos sao um show.

Anônimo disse...

Sou magérrima e bonita. Peso 45 kg. Senti-me ofendida com o seu artigo. Parece que vc gosta é de gordas de cabelos rebeldes. Tenho o padrão de beleza do meu tempo. Você é que é um desatualizado. Vá falar mal das suas negas. Nunca mais visito o seu blog.

Anônimo disse...

Cara, vc está arrasando. Eu também não acho graça nenhuma nessas Olivia Palito que acham que sao bonitas. Mulher sem bunda e sem peito de verdade para mim é homem.

Anônimo disse...

Horrorosas bonitinhas - título excelente, Adriano.

Anônimo disse...

Estou com voce, que sabe que a mulher bonita é a mulher humana e real. Às vezes uma pequena deformação é o que dá o charme e a beleza de alguém, como você muito bem percebeu. Além disso, a beleza é realmente uma aura que instala a beleza em torno da pessoa. Essas falsas bonitinhas não têm nada disso.

Anônimo disse...

Seu gosto por mulher não tá com nada, bicho. Eu gosto mesmo é dessas esqueléticas que vc fala. são magras mas aguentam rindo o que vc não aguentaria chorando. Além disso, a gente faz o qeu quer com elas. Uuuuuuuuuuuuuuu...

Anônimo disse...

Fiquei muito impressionada com o seu texto. Concordo com o seu conceito de beleza feminina, que cobre toda a gama de aspectos importantíssimos para que uma mulher possa ser bela de verdade. Seu texto é inteligente e forte.

Anônimo disse...

Adriano, vc saca muito, meu! Quem escreve coisas como essas só pode entender muito de mulher. Vc é fera!!!!

Anônimo disse...

Muito bom o seu texto. Concordo em gênero, número e grau.

Anônimo disse...

Arrasou, Adriano. Você realmente conhece a beleza feminina.

Anônimo disse...

Adriano, minha filosofia consiste no seguinte: mulher é mulher e ponto final. Cato todas! Um abraço.