sexta-feira, 2 de março de 2007

O Bin Laden do catolicismo

Adriano de Paula Rabelo
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Em A menina sem estrela, seu livro de memórias, Nelson Rodrigues, ao tecer uma reflexão sobre o vaudeville, a peça teatral feita exclusivamente para provocar o riso na platéia, compara-o com uma imaginária missa cômica em que “o padre começa a engolir espadas, os coroinhas a plantar bananeiras, os santos a equilibrar laranjas no nariz como focas amestradas”. O grande dramaturgo talvez nunca tenha imaginado que essa missa cômica fosse algum dia tornar-se a liturgia de certa facção da igreja católica. A seita em questão, que nos últimos anos vem crescendo muito entre os não-cidadãos humilhados e ofendidos, despolitizados e desesperançados nesta nossa pátria madrasta, responde pela denominação de Renovação Carismática Católica.

Esse movimento originou-se nos Estados Unidos, quando, nos anos 1960, um grupo de católicos que andou freqüentando cultos de seitas pentecostais, que naquela época vinham atraindo alguns insatisfeitos com a igreja romana, resolveu fazer das missas uma espécie circo tal como o imaginado por Nelson Rodrigues. Nenhum recolhimento, nenhuma teologia, nenhuma ação de cunho político-social, muito corre-corre, gritaria, emocionalismo desenfreado, disseminação de adesivos automobilísticos e camisetas com frases infames sobre as supremas maravilhas de ser católico. Técnicas que um carrancudo austríaco de bigodinho empregou com sucesso na Alemanha, imbecilizando a nação e encantando legiões.

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Pe. Marcelo em ação
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A figura mais representativa da Renovação Carismática, que em pouco tempo se tornou um fenômeno da mídia popularesca, é o Pe. Marcelo Rossi. Essa espécie de religioso brega-pop começou sua ascensão meteórica em espaços improvisados na zona sul de São Paulo, atraindo para seus cultos o povo necessitado de dar alguma vazão emocional a suas enormes frustrações cotidianas. Com o inconcebível sucesso suas cançonetas de realejo, suas dancinhas axé music, sua linguagem rasteira, seu puxar de corinhos que urram frases como “Deus é dez” ou “Amém, Jesus”, nosso playboy do Senhor acabou por gerar, em todo o país, toda uma linhagem de padres jogadores de futebol, surfistas, halterofilistas, atores, guitarristas, dançarinos, cantores, empresários. Esses metrossexuais da igreja andam na moda e freqüentam os sonhos libidinosos de umas tantas adolescentes. Não causará mais surpresa se, em suas missas cômicas, qualquer dia desses algum deles aparecer engolindo fogo ou fazendo malabarismos e traquinagens no altar, com o rosto pintado e nariz postiço.

Voltando a nosso Pe. Marcelo, logo que a indústria cultural de massas identificou nele um produto vendável, começou uma cruzada midiática. Ato contínuo, veio à “luz” sua abominável série de cds evangélicos, filmecos de catecismo, programas de rádio e televisão (um deles a “Santa Missa em seu Lar”, na tv Globo) e um site na internet.

A propósito, o perfil de Pe. Marcelo em sua página eletrônica – ele não poderia deixar de seduzir-se também por essa modernidade – apresenta números astronômicos relativos à medição de sua audiência: os programas de rádio diários têm uma média de 2.160.000 fiéis por minuto, sua missa semanal pela Globo é retransmitida para outros 45 países na programação internacional da emissora, seu primeiro cd vendeu quase de 4 milhões de exemplares, seu primeiro filme é a sétima maior bilheteria do cinema nacional, um de seus shows no Morumbi teria levado mais de 70 mil pessoas ao estádio e, glória das glórias, um de seus cultos no autódromo de Interlagos teria reunido 2 milhões e 400 mil pessoas.

Tais números só revelam a vertiginosa decadência do catolicismo no Brasil. Onde se refugiou a tradição de pensamento e ação de homens da têmpera de Anchieta, Vieira, D. Vital, Leonel Franca, Orlando Vilela, D. Paulo Evaristo Arns? Que espaço a Teologia da Libertação – vertente marginalizada pelo reacionarismo predominante nas diretrizes do Vaticano, mas de atuação verdadeiramente cristã durante os anos vergonhosos da ditadura militar pós-1964 – encontra nos dias atuais?

Impressiona ainda como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, a despeito de suas recomendações contra o fanatismo e o fundamentalismo, é conivente com essa exploração das formas de catarse mais chulas. Isso talvez ocorra pelo medo de que a ala circense da igreja promova um cisma de graves conseqüências, levando consigo boa parte do rebanho católico. Rebanho esse que, por causa da estrutura ainda medieval da igreja romana e de sua falta de envolvimento efetivo com as causas sociais – firme na sua tradição conivência com os poderosos –, vem perdendo a cada ano milhões de seus cordeiros para as religiões afro-brasileiras, o espiritismo e os evangélicos.

O fanatismo e a histeria religiosa são sempre muito perigosos. A história recente nos mostra como um magnata árabe do petróleo, também ele um fenômeno de mídia, armou um grupo de fanáticos para perpetrar um espetáculo midiático em que morreram milhares de pessoas no coração do imperialismo, com a justificativa de matar infiéis. Logo depois, seu amigo americano, também um empresário petroleiro, mandou estuprar o Afeganistão e o Iraque em nome dos valores cristãos. Quanta coisa ignóbil têm feito neste mundo os procuradores de Deus! E quantos dislates se têm cometido em Seu pretenso louvor!

Obviamente estou exagerando ao comparar um fanático da periferia do capitalismo com dois tiranossauros da primeira divisão internacional. Mas acredito que é bom nunca subestimar os riscos do fanatismo e da vulgaridade, especialmente quando eles se disseminam entre a massa.

A religião institucionalizada chegou a tal ponto de omissão e rebaixamento que já não tem mais nada a dizer ao ser humano. Será que qualquer forma de religiosidade faz sentido nestes tempos em que vivemos?

20 comentários:

Anônimo disse...

Cara, parabéns por este texto, esse padreco é a maior doença do catolicismo neste século

Anônimo disse...

Adriano, sou da renovacão carismática. Você disse muita injustica sobre o padre Marcelo. Vou pedir na missa deste final de semana, que os carismáticaos rezem por vc. Abranda esse coração. Que Jesus olhe por ti.

Anônimo disse...

Adriano - quem nos dera que todos tivessem a sua coragem de botar abaixo esse histérico e a plebe que vai urrar e fazer palhaçadas em suas "missas".

Anônimo disse...

Concordo com quase tudo o que vc diz sobre Padre Marcelo e os padres da RC mas acho vc um pouco radical demais.

Anônimo disse...

Ateu de meia tigela. Como pode comparar um santo como o Pd. Marcelo com um terrorista como o Bin Laddem. Pra seu governo: Pd. Marcelo é dez! Sou feliz por ser católico de verdade!!!!!!!!

Anônimo disse...

Genial, Adriano. Esse idiota merece mesmo umas lambadas. Seu blog é uma das melhores coisas que apareceram na internet nos últimos tempos.

Anônimo disse...

Você tem razão. A renovação carismática não tem nenhuma teologia, nenhum recolhimento. É a indisciplina assumida e praticada pela Igreja. Para não falar do quanto essa vertente é primária.
Padre Marcelo é zero. Parabéns.

Anônimo disse...

Sou padre com formação humanística e teológica. Concordo que Pe. Marcelo é a máxima vulgarização da Igreja. No entanto, você realmente exagera ao compará-lo a Bin Laden e Bush. Como você mesmo identifica, ele é não passa de um fenômeno de mídia. Dentro de pouco tempo ele vai desaparecer. Assim funciona a indústria cultural de massas. Ele é a bola da vez.
A lista de grandes homens do Catolicismo brasileiro que você cita é muito boa.
Como resposta a sua pergunta, ao final de seu texto, a religião e a religiosidade ainda faz e fará sempre sentido, pois somos muito pequenos para enfrentarmos sozinhos as coisas deste mundo.

Anônimo disse...

Pe. Marcelo trouxe de volta para o catolicismo um número muito grande de fiéis que estavam afastados da igreja. Não importa os seus métodos ou se ele imita os evangélicos. Ele dá esperaça a gente mais pobre e miserável.

Anônimo disse...

Bin Laden é você com essa cara de árabe. Seu muçulmano!

Anônimo disse...

Que virilidade intelectual, hein, Adriano. Sou seu fã, seus textos são de uma acuidade e de uma força excepcionais. Um abraço

Anônimo disse...

Que plasticidade ultra-sensível da realidade objetiva dialética...

Anônimo disse...

Se os pentecostais já são insuportáveis, imagina os imitadores dos pentecostais. Você é dez!

Anônimo disse...

Você está certo: a religião hoje em dia já não tem mais nada a dizer à humanidade. Diante desse cúmulo de violência que estamos vivendo, por exemplo, ela está calada e omissa.

Anônimo disse...

Você se esqueceu de dizer que qualquer dia desses o Padre Marcelo vai aparecer, nas suas missas, dançando a boquinha da garrafa do Senhor, com cada um na multidão de carismáticos também com uma garrafa no chão, gritando Ai, Jesus.

Anônimo disse...

Pra cima dele, Adriano! É preciso desqualificar mesmo esse Faustão da Igreja. Ninguém que tenha um neurônio funcionando na cabeça agüenta mais esses tipos.

Anônimo disse...

Pra cima dele, Adriano! É preciso desqualificar mesmo esse Faustão da Igreja. Ninguém que tenha um neurônio funcionando na cabeça agüenta mais esses tipos.

Maldoror Niño disse...

Claro, con tanta droga disponible el "opio de los pueblos" precisa promotores que seduzcan a las masas. Pluma afilada la suya Adriano!!

Unknown disse...

Muito bom. Também discordo do título como o Padre aí. Mas queria lembrar que a referência a Hitler deixa a desejar, pois não coloca que ele era cristão confesso e em muitos dos seus discursos o diz (apesar que era um louco varrido isso sim) como quando diz :“Acredito hoje que estou agindo de acordo com o Criador Todo-Poderoso. Ao repelir os Judeus estou lutando pelo trabalho do Senhor.” Adolph Hitler, Discurso, Reichstag, 1936. Sem contar que se dizia católico também. Quanto a necessidade de se acreditar e necessitar deste apoio que o padre faz crer é relativo. Muitos não precisam disso e podem ser felizes , corajosos, éticos e ter respeito por todasos seres vivos. Já a postagem logo abaixo da do padre que diz que o tão Marcello ai traz esperança para pobres e sofredores. É isso que a Igreja quer perpetuar a dependencia nestas bobagens para que sempre o povo continue ignorante e possa ser manipulado. Como quando o Papa comete a irresponsabilidade de falar contra o uso da camisinha em um tempo como o de hoje em dia.

Unknown disse...

Em tempo.

Assim como inúmeros deuses que foram Oniscientes , onipresentes e imortais, o deus cristão também vai morrer. Pena que ainda vai demorar um pouco e não estarei aqui pra aplaudir isso!