sexta-feira, 9 de março de 2007

Vampiros da nossa paciência

Adriano de Paula Rabelo

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Houve um tempo em que, quando ligávamos a televisão bem cedinho pela manhã, éramos bombardeados por programas intragáveis ancorados por uma súcia de pastores norte-americanos em seus terninhos, expectorando suas eternas platitudes em vários canais. Os anos passaram, eles fizeram inúmeros discípulos nesta Botocúndia e em pouco tempo evoluímos a ponto de nos tornar exportadores dessas ratazanas para outros países.

Fenômeno sociológico dos mais marcantes nos últimos vinte anos no Brasil é o crescimento do protestantismo e a cancerosa proliferação de facções dentro dele – em especial do pentecostalismo – e seu indiscutível êxito comercial. Dessas seitas, a mais bem sucedida é a Universal do Reino de Deus, que se propagou pelo Brasil e por vários países na esteira da terrível crise de conteúdo humano enfrentada pelo nosso tempo. Outras como a Deus é Amor, a Assembléia de Deus, a Renascer em Cristo, a Sara Nossa Terra, a da Graça de Deus foram pelo mesmo caminho. Na segunda e terceira divisão pentecostal, emerge a cada dia uma nova denominação, às vezes grupelhos de francamente de garagem. Batistas e metodistas, um pouquinho menos afoitos, mas tão descarados quanto, cada vez mais lançam mão dos métodos pentecostais para se apossar do espírito de imbecis e arrancar-lhes dinheiro e outros bens materiais.

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Prestidigitadores da fé ingênua
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Tais métodos, já clássicos, são sobejamente conhecidos, praticados que são com pequenas variações aqui e ali: uma verborréia emocionada disparada por um canastrão que fecha os olhos e fala de Jesus Cristo como se Ele fosse o Bezerro de Ouro, a entrada estratégica de uma música irrespirável com seus coros urrados em altos decibéis, um “falar em línguas” que toca as raias do ridículo, milagres realizados cotidianamente e no atacado, gesticulação e gritaria histérica por parte da horda, depoimentos de uma pieguice absoluta, sessões de descarrego, exorcismos e a permanente menção aos perigos do Diabo (a propósito, uma figura pela qual os pastores invariavelmente nutrem uma obsessão suspeitíssima). Desenvolvida essa liturgia, estando o fiel com os ouvidos, a emoção e os pensamentos em frangalhos, lá vem o invariável ponto culminante de toda essa representação: a requisição de dinheiro ou de qualquer outro valor material que o candidato ao paraíso celeste possua.

Enquanto esses tumores de nossa sociedade permanecerem em seus guetos, mantendo-se discretamente nos limites de suas garagens, antigos cinemas, salas de edifícios comerciais, galpões ou até mesmo em alguns de seus templos de um suntuoso kitsch, tudo bem. Democraticamente reconheço a liberdade de cada um anular-se, renunciando-se a enfrentar o sem-sentido da vida, a irresolução das grandes questões humanas e o absurdo da realidade. Coragem, autenticidade e nobreza sempre foram coisas de solitários, de desajustados, de originais e subversivos. No entanto, quando essa malta invade o espaço público para fazer proselitismo e, pior ainda, tentar se misturar com os assuntos do Estado, não há por que lhe proporcionar qualquer condescendência.

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Empresários da pobreza de espírito

E aí estão eles: pretensiosamente ocupam significativo espaço na tv, onde batem um papo informal com seus possessos embaçados na tela, discursam como novos Moisés conduzindo o povo escolhido, curam cânceres com orações teleguiadas, falam de psicologia como se Freud nunca houvesse existido, vomitam bilioso horror às religiões afro-brasileiras e ao espiritismo (seus concorrentes na arregimentação da debandada católica), curam homossexualismo, furor uterino, brotoejas e até praga de mãe.

Nas câmaras legislativas, sua bancada, muitas vezes unida a de seus adversários católicos, vota invariavelmente contra as pesquisas genéticas e os direitos civis que arranham a sua moral do patriarcado. Estão sempre entre os celerados que se locupletam no mar de corrupção tolerado em nosso país.

Quem nunca passou pela experiência patética de ser chamado no portão de casa ou parado na rua por um “apóstolo” exalando convicções e dogmatismos transfundidos por seus pastores? Ultimamente temos vivenciado isso até mesmo dentro de banheiros públicos, elevadores, ônibus e restaurantes. Medice, cura te ipsum.

Por falar nisso, como parte de nosso globalizado e imperial supermercado da fé, aí estão os mórmons de Salt Lake City, tratando de converter o gentio subdesenvolvido às maravilhas emanadas pelo novo Cristo Joseph Smith. Soube que rapazes de vinte anos como esses gravatinhas que passam uma temporada entre nós já invadiram também a Índia. Fico me perguntando o que um pirralho desses teria a dizer às pessoas de uma cultura milenar e de uma vigorosa religiosidade como aquela. Por aqui, com seu sotaque e seu livrinho, já vêm eles erguendo umas tantas de suas igrejas com torre pontuda apontando para os céus. Seria curioso compreender como o mais retrógrado puritanismo anglo-saxão se realiza numa cultura aberta, solar e dionisíaca como a nossa.

Já que falamos de norte-americanos, finalizo com o grande Henry Louis Mencken (1880-1956), escritor que sempre estremeceu essa patuléia com seu arsenal expressivo: “A única contribuição do Protestantismo para o pensamento humano é a sua prova irrefutável de que Deus é um chato”.

14 comentários:

Anônimo disse...

Depois daquele texto genial sobre o Pe. Marcelo, você novamente arrasa escrevendo sobre esses vampiros, como você os chama muito bem. Parabéns. Seu blog merece ser visitado toda semana.

Anônimo disse...

O escritor português José Saramago escreveu o seguinte sobre a Igreja Universal: "A Igreja Universal do Reino de Deus é uma organização criminosa, uma quadrilha que se dedica ao crime e ao roubo". Você acertou na mosca ao atacar esses bandidos.

Anônimo disse...

É muito facil atacar a igreja unversal assim sem nunca ter ido la.Adriano, para falar estas coisass vc só pode estar precisando de um descarrego. Vá numa igreja universal perto da sua casa e pede um descarrego. Se for la vc nunca mais vai escrever esses abuso.

Anônimo disse...

O Adriano não falou sobre a igreja Universal especificamente. Tem gente vestindo a carapuça. Eles mesmos se denunciam.

Anônimo disse...

Você devia levar um tiro nessa cabeça.

Anônimo disse...

Onde você mora, Adriano? Se for no Rio de Janeiro, gostaria de bater um papo com você.

Anônimo disse...

Adriano, o que mais gosto em seus artigos são os títulos. Eles são fantásticos. Você nem precisaria escrever seus textos. Parabéns.

Anônimo disse...

Excelente!! Vc arrasou esses vendilhões do templo. Quando Cristo retornar, eles serão os promeiros a ter as cabeças cortadas.

Anônimo disse...

Realmente, se Deus criou os pentecostais à Sua imagem e semelhança, Ele é mesmo um chato de galochas.

Anônimo disse...

Vc é um estouro, rapaz. Não tem papas na língua e diz o que todos querem mas poucos tem coragem. Assim vc vai longe. E incomodará muito os acomodados e os falsos bem-pensantes.

Anônimo disse...

Esses gritadores e histéricos são mesmos uns vampiros da nossa paciência. Eu também não tenho nenhuma com eles.
Parabéns pelo texto.

Anônimo disse...

Arrasou! Vc é demais!!!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Adriano é um desses caras que adoram escrever sobre as coisas que detestam.

Anônimo disse...

Num país de absurdos e injustiças como o nosso, Adriano faz muito bem em demolir tantas coisas detestáveis.