sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Frases para a eternidade

Adriano de Paula Rabelo


Sou um colecionador de frases, especialmente aquelas cheias de verve, demolidoras de lugares-comuns e juízos massificados. O filósofo Ludwig Wittgenstein, profundo estudioso da linguagem, dizia que muito mais importante que a verdade ou a mentira de um enunciado é o efeito por ele provocado. Isso pode ser comprovado facilmente pelo êxito de políticos, advogados e comerciantes em nossa sociedade. Numa outra frente, que seria de todos os don juans do mundo sem a exuberância de sua lábia a serviço do efeito?

O fascínio da boa frase está em condensar o máximo de sentido no mínimo de suporte. Freud, em O chiste e sua relação com o inconsciente, apresenta um diálogo que atinge o fastígio da concisão e da espirituosidade, não pelo significado das sentenças isoladamente, mas pelos personagens envolvidos na conversação: “Como tem andado?”, perguntou um cego a um paralítico. “Como você está vendo”, respondeu o paralítico.

Paula Nei, boêmio e escritor bissexto do final do século XIX, ficou famoso pelo anedotário em torno de alguns de seus ditos, em geral surgidos de improviso ao sabor de sua vida desregrada. Conta-se que, numa Sexta-feira da Paixão, ele foi repreendido por um amigo que o encontrou embriagado pelas ruas. O boêmio, em tom hierático, teria respondido: “Quando a divindade sucumbe, a humanidade cambaleia”.

O calor de situações conflituosas é sempre propício a produzir frases rudes de grande efeito. É conhecido o contra-ataque do sempre ferino Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, ao confrontar certa vez uma parlamentar que lhe havia dito que se fosse sua mulher lhe envenenaria o chá: “E se eu fosse seu marido, beberia esse chá”.


Um mestre da frase reproduzido na parede


Na literatura se poderiam colher inúmeros exemplos de frases que mereceriam ser escritas no mármore, com pedestal e descerramento de placa. Para ficar apenas na brasileira, as lavras de autores como Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Guimarães Rosa, Otto Lara Resende e Clarice Lispector, por exemplo, são muito profícuas. De Machado me lembro logo da suprema auto-ironia de “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”. De Guimarães Rosa, da reviravolta cômico-sonora de “Pão ou pães, é questão de opiniães”.

Por falar no incomparável escritor de Cordisburgo, que transfigurou a linguagem do sertanejo do noroeste de Minas, me ocorrem algumas preciosidades ouvidas na boca do povo, principal guardião do tesouro da língua.

Minha mãe, que possui pouca ilustração mas bastante sabedoria, sempre me pareceu uma figura saída das páginas de Grande sertão: veredas ou de Primeiras histórias. Eu e minhas irmãs crescemos ouvindo-a pronunciar, ao longo dos anos, frases perfeitamente dignas de Guimarães Rosa. Uma delas é “Neste mundo não há o que não haja”. Toda vez que ela tem notícia de alguma invenção esdrúxula, algum dos inúmeros absurdos que povoam o nosso cotidiano, alguma extravagância ou declaração que a incomode, lá vem frase indefectível. Outra: “Fulano(a) tem cabelo estizicado”. Através da palavra lapidar, que não existe em nenhum dicionário, fica plenamente expresso o que ela quer dizer.

Certa ocasião, uma amiga que possuía namorado muito ciumento, ao me contar suas agruras, filosofou: “O barulho do ciúme desperta a curiosidade”. E numa roda de amigos alguém se lembrou de um provérbio originário não sei de onde, enfatizando a eloqüência feminina: “Um homem, uma palavra; uma mulher, um dicionário”. E, num velório, um parente do morto, olhando compungido para o protagonista do acontecimento: “Se morrer fosse bom, todos viríamos correndo e pularíamos de finquete ali dentro [no caixão]”. E num jogo informal de futebol que caminhava para o final num renhido empate: “Quem fazê ganha!”.

A propósito do futebol, esse reino de declarações espetaculares a jornalistas ávidos de sensação, circula por aí uma preciosa antologia de frases, algumas fruto do mais puro gênio, outras resultado de bobagens ditas genialmente. Lembrarei aqui apenas duas delas, pronunciadas por dois goleadores. O primeiro é Dadá Maravilha, uma das melhores figuras de nossa civilização, que, retrucando ao pernosticismo de alguns repórteres, disparou: “Não me venham com problemática, que eu tenho a solucionática”. E Jardel, ex-centroavante do Grêmio, logo antes de um jogo contra o maior rival, o Internacional, ao ser perguntado sobre a emoção de se jogar um clássico: “Clássico é clássico e vice-versa”.

A frase concisa e muito expressiva vale por todo um tratado acerca do assunto de que versa. Frases em latim costumam ser o lema de respeitáveis instituições nacionais. O mais belo livro da Bíblia, o Eclesiastes, é basicamente uma coleção de sentenças excepcionais. Há quem cultue certas frases como verdadeiros mantras ou guias de ação. Nos epitáfios, frases costumam resumir todo o sentido de uma existência. E o povo continua fornecendo ao idioma expressividades insuspeitas com sua inesgotável criatividade verbal.

Nesta época de correrias, excesso de informação desqualificada e de sensibilidades telegráficas, mais que nunca a frase bem dita tem seu lugar neste mundo, reino das palavras.

9 comentários:

Anônimo disse...

Genial! É fantástico como certas frases resumem tudo e como o que fora de um contexto não tem graça nenhuma, mas que adquire grande poder expressivo na situação em que é dito.

Anônimo disse...

Esse Guimarães Rosa que vc coloca nas nuvens é um insuportavel

Anônimo disse...

Boas e engraçadas as frases do povo. Tu escreves como quem valoriza a cultura autêntica, não importa de onde ela venha.

Anônimo disse...

Adriano, adoro suas citações. vc é um Robin Hood da cultura: tira dos inteligentes para dar aos burros.

Anônimo disse...

Essas frases do povo sao d+. O qe é falar certo? O que é falar errado? O que importa é falar apropriadamente em cada situação. Vc sabe disso.

Anônimo disse...

Será que você estava sem assunto essa semana?

Anônimo disse...

Vc não é somente um admirador e colecionador de boas frases. Suas máximas logo antes de cada artigo são muito boas e, como vc diz, desarticuladoras de lugares-comuns.

Anônimo disse...

Muito boas as frases futebolísticas. E muito bom saber reconhecer o valor das frases sem intelectualismo fácil e elitismo.

Anônimo disse...

Essas frases dão uma idéia de que não é necessário falar demais para ser expressivo, tem que ter conteúdo e forma apropriada.