sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Fundamentalismo democrático

Adriano de Paula Rabelo


Vivemos num tempo em que praticamente não se encontra mais quem não defenda o regime democrático. Após a derrota dos totalitarismos de direita e de esquerda, que tanta desumanização e tantos horrores espalharam pelo século XX, a democracia como sinônimo de soberania da vontade das maiorias se tornou ponto pacífico. Todavia, parece evidente que essa laboriosa, sofrida e necessária conquista da tradição política ocidental encontra-se em profunda crise. Por toda parte a democracia se degenerou no mais vulgar democratismo.

Vejamos: campanhas eleitorais são manipuladas pelos neocoronéis dos grandes meios de informação, governantes divorciados dos reais interesses da maioria sobem ao poder massivamente, legisladores vampirizam o Estado em sua promiscuidade com o poder econômico, juízes dão retaguarda a negociatas ou realizam-nas diretamente, energúmenos assumem postos de comando, movimentos sociais têm de se haver permanentemente com torturas e balas da polícia...

Num contexto como este, a economia está subordinada aos números, jamais à qualidade efetiva de vida das classes desprivilegiadas. Quando se diz que ela vai bem, isso significa que banqueiros e especuladores nacionais e estrangeiros estão ganhando quantias astronômicas. E as maiorias permanecem de fato deserdadas pelo poder público.

Sem dúvida é preciso repensar o conceito de democracia, que deve ir muito além da mera formalidade do processo eleitoral, do simples governo representativo, de ser uma emanação da demência das maiorias. Não se pode falar em democracia enquanto não estiver garantido o espaço para a consagração de indivíduos e grupos por suas reais qualificações e seus méritos, enquanto o povo não usufruir efetivamente da riqueza da nação.


O fundamentalismo democrático é um rebento deste nefando casalzinho


O fundamentalismo democrático, no entanto, talvez encontre sua expressão mais enfática no plano internacional. Em nome da democracia ao pé da letra, os bárbaros, os radicais, os extremistas ocidentais seguem violentando os povos subjugados. Neste momento de América Latina docilizada, de Bálcãs pacificados, de África ao deus-dará, de Arábia aliciada, as garras do imperialismo estão postas sobre o Iraque e o Afeganistão, a fim de se garantir o suprimento de petróleo a baixo custo para o conforto da pós-modernidade americana e européia. O democratismo lá está, arrasando os dois países rebeldes, cometendo diariamente toda sorte de crimes contra a humanidade por detrás da fumaça das explosões dos carros-bombas da resistência, alardeadas pelas agências noticiosas “globalitárias”.

A propósito, o geógrafo Milton Santos chamava de globalitarismo o sistema implantado nas últimas décadas pelo fundamentalismo democrático. O feliz achado vocabular, que vai muito além da dominação violenta das nações periféricas, define com precisão uma doutrina bastante integrada de políticas que só toleram uma única forma de viver, de pensar, de se organizar, subordinando todas as instituições. Se os totalitarismos do século XX exigiam a completa subserviência dos cidadãos ao Estado, a doutrina da totalidade contemporânea preconiza a vassalagem de todos em relação ao Mercado e ao modo de vida americano. Como tudo isso está distante de um conceito minimamente aceitável de democracia.

7 comentários:

Anônimo disse...

Tem razão: uma democracia que permite um Renan Calheiros aí, presidente do Senado, agarrando o osso do qual já roeu toda a carne, não pode jamais ser chamada de democracia, é democratismo, como você diz. Só poder-se-á falar em democracia no Brasil quando o povo estiver livre da pobreza em que vive e a política livre de tantas sanguessugas.

Anônimo disse...

A nossa é a democracia da rede Globo, da Veja, dos ACMs e FHCs. E na área internacional, é a democracia torturadora assassina do Bush, do nenhum respeito pela ONU. O império é mesmo uma águia carniceira.

Anônimo disse...

Gostei do seu texto, mas gostaria que vc tivesse desenvolvido mais suas idéias. Está muito resumido.

Anônimo disse...

Com toda essa corrupção o que estamos precisando e' de um ditador pra correr com esses vagabundos no pau.

Anônimo disse...

Pra mim Bush e Bin Laden é tudo a mesma merda. E Lula e FHC também, a mesmíssima merda.

Anônimo disse...

Democracia pressupõe particpação dos cidadão. Nem o sistema admite a participação efetiva de todos com igualdade de condições, nem os "cidadãos" estão interessados em participar. É um desencanto total. Você tem razão ao apontar o fracasso do que chama de "democracia ao pé da letra".

Anônimo disse...

Vc como todos exibe essa democracia avançada até o momento em que tiver a chance de se locupletar às custas do estado. É muito bonito teorizar. Escreva algo sobre como o poder corrompe, gostaria de saber o que vc pensa disso.