sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Meu filho dormindo

Adriano de Paula Rabelo


Deitado a seu lado nestes seus dois anos, penso nas sinuosidades da vida, no vaivém tormentoso e sem sentido de êxitos, perdas, mortes, ressurreições, saltos, recuos, estagnações e renascimentos que compõem este estar-aqui. O que lhe estará reservado? Que determinações e que escolhas constituirão seu destino?

Fecho os olhos e vejo-o refinado escritor, centroavante do Galo e craque absoluto das Copas de 2026 a 2038, polêmico diretor de cinema, intelectual influente... alguns de meus eus gloriosos que foram caindo pelo caminho. No fim das contas, não importará tanto o que você for, desde que não se desumanize.

Que cultive para sempre o sagrado horror à vidinha burguesa, às satisfações puramente argentárias, à prosperidade barriguda e aos valores massificados. Que afronte a injustiça onde quer que você atue. Que tenha respeito pelos humilhados e ofendidos e com eles se solidarize. Que possua olhos e coração para amar a beleza, ainda quando ela se apresentar em suas formas terríveis. Que aprenda a ser brasileiro antes de girar o mundo e enriquecer-se com a cultura diversa.


Canção dos anjos (1881) – William-Adolphe Bouguereau


Dentro de mais alguns anos recordarei com um sorriso seus passeios no meu ombro, quando íamos sem rumo pelas ruas, conversando. Seus infindáveis, surpreendentes porquês jamais ficavam sem respostas, ainda que mirabolantes. Recordarei nosso futebol no campinho, onde eu o ensinava a chutar, cabecear, controlar a bola parada no pé, pedalar sobre ela para driblar o adversário. E as beiras de rios, lagoas, córregos e poças d’água onde você ia jogar pedrinhas e assistir ao movimento das ondulações. E as inúmeras fotografias que eu tirava de suas pequenas grandes aventuras. E as histórias de meninos curiosos e passarinhos falantes que lhe contava. E suas despedidas da Lua e das estrelas antes de ir dormir.

Esta insólita saudade do presente chega-me do limbo do futuro, fazendo lembrar que os anos correm e cada um toma seu rumo. Você tomará o seu com suas próprias pernas. Personalidade forte, caráter assertivo, meu varão de dois anos dorme indiferente a essas elucubrações de pai diante da selva escura deste mundo. Dum vivimus vivamus.

5 comentários:

Anônimo disse...

Que bonito. Pouco depois do dia dos pais vc faz uma linda homenagem ao filho. Melhor: sem dar lição de moral e virtude.

Anônimo disse...

Nessa época de tanta distância entre país e filhos vc mostra a feliciade de viver com alegria com o seu.

Anônimo disse...

Está cada vez mais difícil imaginar que rumo nossos filhos tomarão na vida já que o próprio mundo e os valores consagrados atualmente andam meio sem rumo. Suas elucubrações não são nada infundadas.

Anônimo disse...

Lindo.

Anônimo disse...

Que pai nao faz essas reflexões sobre o futuro dos filhos? Mas você mesmo sabe que o importante é o tempo que passa com ele, a amizade que tem com ele.