domingo, 11 de novembro de 2007

Da obrigação de ser feliz

Adriano de Paula Rabelo


Quem assiste televisão, olha os outdoors que infestam as cidades, repara na avalanche de comerciais que soterram a nossa realidade ou comunga de certa filosofia do senso comum pregada pelos grandes meios de informação pode pensar, tal como Pangloss, que vivemos no melhor dos mundos possíveis. A todo momento somos expostos a imagens de gente – em geral jovem – sorrindo, vibrando, curtindo a vida adoidado, existindo no limite da adrenalina.

O totalitarismo mercadológico em que vivemos atualmente resultou na consagração desse bizarro fenômeno do gozo imperativo, sempre associado ao consumo de alguma quinquilharia, alguma forte sensação, algum símbolo de status. Para a doutrinação da massa consumidora, aí estão os publicitários, sumos sacerdotes do credo de que fora do mercado não há salvação. Portanto, “vá além”, “você pode”, “é isso aí”, “no limits”, “just do it”. Estão abolidas todas as angústias, tudo o que pode resultar em luto e melancolia.

Para além do espetáculo da sociedade chamada “de consumo”, no entanto, a vida prossegue muito mais humanizada com seu peso e seus desafios. Isso porque, é claro, em nossa constante projeção rumo ao futuro, nos defrontaremos sempre com a possibilidade do fracasso e do sofrimento e, no limite, com a inexorabilidade da morte. Óbvio que buscamos todos realizar em tempo e a contento os nossos projetos, mas a frustração de expectativas é inerente à própria condição humana. São a perda e a dor dela decorrentes que proporcionam maturidade e melhor aptidão perante as complexidades da existência.

Entretanto, na sociedade de consumo que se consagrou nas áreas urbanas do Ocidente, o que se vê são permanentes apelos ao narcisismo das pulsões mais infantis com o fito de se mobilizar a todos para a compra de determinados produtos e serviços. Com isso o conceito de cidadão vem sendo cada vez mais esvaziado em prol da consagração do consumidor. Um consumidor que se pode definir fundamentalmente como alguém que é obrigado a ser feliz.


Felicidade de propaganda


Sem discutir a lógica perversa do “pago, logo posso” que suprime limites e freios morais de certa casta dominante que se posiciona acima das leis e dos pressupostos básicos da cidadania, gostaria de me deter um pouco sobre essa ditadura da felicidade.

Aparentemente todos têm total liberdade de escolha quanto ao que fazer de suas vidas. Desde que aproveitem o máximo, desfrutem permanentemente dos acontecimentos, das pessoas e das coisas, em resumo, que não sofram jamais – parece estar implícito nessa filosofia de eternos meninões. Para isso, há fórmulas disponíveis para tudo o que se deseja ser e fazer, códigos sobre o que é ser bonito, o que é ser elegante, como se fazer amável, como se tornar um vencedor.

Este é um tempo que cultiva uma série horrores histéricos que, se possível, não devem ser sequer mencionados: a derrota, a solidão, o medo, o silêncio, o vazio, a imobilidade. Com isso, não admira que vivamos na época mais ansiosa e depressiva da história, já que não há psicologia que suporte por muito tempo a performance do júbilo constante.

A todo momento somos bombardeados pela idéia de que apenas com outro alguém, em geral a nossa cara-metade, podemos ser felizes. É preciso apaixonar-se, amar, se entregar o tempo todo. Mesmo a solidão reparadora e enriquecedora da individualidade costuma ser criticada como egoísmo ou fechamento.

A derrota é outro monstro contemporâneo. Todos têm necessariamente de ter objetivos claros e definidos, sempre relacionados à acumulação de capital, prestígio e bens; e realizá-los, chegando na frente dos “incompetentes” que ficam pelo caminho. Do contrário, lhes restará o escárnio e a segregação.

Enfim, todo mundo tem de possuir uma coleção de certezas, desempenhar ousadias pré-fabricadas, ser agitado, estar sempre envolto por algum ruído, preencher o tempo e o espaço, executar alguma tarefa “produtiva”. Principalmente, todos têm de ser felizes a toda hora, tal como no país das maravilhas da tv e do comércio.

Claro que não defendo o apego à escuridão, à melancolia, ao mau humor, à misantropia. Uma programática falta de entusiasmo com a vida seria tão estúpida quanto a felicidade compulsória. No entanto, não consigo imaginar um bem viver divorciado das experiências mais densas da existência, uma adrenalina desvinculada dos riscos inerentes a nossas escolhas, um orgasmo separado de uma mínima convergência de subjetividades, em suma, uma felicidade pela felicidade, desmotivada e fria. O lado agreste, misterioso e violento da vida, sempre presente dentro e fora de nossas individualidades, nos lança desafios e questionamentos a todo instante. Êxito, ousadia, conteúdo e movimento representam, de fato, encarar esse lado escuro com respeito e dignidade. Somente à possível felicidade daí decorrente se pode qualificar como autêntica.

8 comentários:

Anônimo disse...

Realmente insuportável a ditadura da felicidade, coisa de quem não consegue ser feliz com naturalidade e precisa seguir os sacerdotes do mercado.

Anônimo disse...

Vc se esquece de que a publicidade é necessaria para que a gente possa conhecer os produtos e saber o que comprar.

Anônimo disse...

Seja menos sério, relaxe e goza Adriano.

Anônimo disse...

A publicidade cria necessidades através da criação do fetiche da mercadoria, estudado por Marx. Em nossa época até as pessoas, até os sentimentos, até os desejos e os sonhos viraram fetiches. Até a felicidade virou um fetiche rasteiro e sem sentido, tal como vc mostra em seu texto. Pobre realidade!

Anônimo disse...

Fórmula para ser feliz? Obrigação de estar amando e ser amado a dois? Sorrisos e divertimento a rodo o tempo todo? "Boas", "desce redondo" etc?... Burrices de televisão!

Anônimo disse...

Triste época em que ser bem sucedido e feliz significa acumular capital, prestígio e bens como vc diz... No Brasil entao isso está um horror.

Anônimo disse...

Até da feliciadde vc fala mal... até a felicidade vc é contra... Vai ser chato assim lá na conchinchina, cara!!

Anônimo disse...

Eh, meu caro, o trem é fei, é vermei, e tem um burco no mei...